quinta-feira, 23 de abril de 2015

O salvador Salgado...

 Fui ver o documentário sobre a vida de Sebastião Salgado realizado pelo seu próprio filho Juliano Ribeiro Salgado e o famoso Wim Mertens que eu adoro, nomeado para os Óscares na categoria de melhor documentário de 2015. Na realidade não é só a vida de um grande fotógrafo que é retratada neste filme. O trabalho que este Senhor desenvolveu durante anos transforma-se agora na história da humanidade. Dá-se uma simbiose perfeita da vida do grande mestre da fotografia com o que tem sido o mundo nas últimas quatro décadas. Como se a vida de Salgado se misturasse com todos os acontecimentos que captou e nos afectaram nestes últimos quarenta anos, por serem também a história de cada um de nós. Todos nós vivemos de forma mais ou menos directa tudo o que foi revelado através da objectiva de Sebastião. E olhar agora todas as suas fotografias é comprovar que não somos diferentes daquelas pessoas que ele paralisou para a eternidade a preto e branco. Todas elas e nós sentimos dor, todas elas e nós choramos, todas elas e nós morremos, todas elas e nós imigramos em busca de uma vida melhor, todas elas vivem as mesmas emoções que todos nós. Durante a sessão muitas vezes me apeteceu gritar aos senhores da guerra: - A MORTE FICA-VOS TÃO BEM!!!
O tempo passou por todos e agora que Sebastião tornou esses momentos intemporais, temos a possibilidade de os viver e reviver. E todas as pessoas que sobrevivem hoje nestas fotografias merecem isso. É a homenagem que lhes podemos fazer. Termos acesso ao tempo dos Outros é um privilégio. 
Nunca virei a cara como fazia com as imagens que passavam no telejornal. Deixei as lágrimas virem, porque apesar de tristes elas também celebram a vida.
Neste filme pude aperceber-me que a obra deste homem tem uma repercussão que chega a todo o planeta, como o ar, como a chuva, como o vento... Felizmente... E a água que faltou a tanta gente, cai agora sobre as nossas cabeças. O calor de todas as bombas que rebentaram, a força de todas as balas fatais, a temperatura infernal de todos os fogos destruidores ruboriza-nos as faces. E do outro lado do pano, as cores de todo o esplendor da natureza saltam-nos dos olhos, pintalgando na nossa imaginação o preto e branco de Salgado.
Este Senhor com a ajuda da sua linda esposa Lélia fotografaram o mundo e trouxeram-nos toda a verdade. Sebastião Salgado não é apenas um Homem, é um Avatar que veio à terra com a missão de nos fazer ver e dar a saber das desgraças e da miséria humana.
Como adoraria massajar um homem assim. Sentir no seu corpo todos os mortos, todas as almas, todos os animais, todos os barcos naufragados, as famílias de pessoas, as famílias de gorilas, todas as mulheres, todos os filhos. Ler os olhares de espanto, de medo. Ouvir as vozes das crianças a brincar, ouvir os mortos, ouvir os pássaros. Aliviá-lo das lembranças mais tristes e desfazer a dor que ainda teima em vir incomodando o seu sono.


Salgado fotografa uma árvore com a mesma dignidade com que fotografa uma pessoa. Foi a fotografar a vida selvagem que aprendeu o que significa esperar. Esperar para celebrar a captura do momento perfeito. 
Uma baleia ensinou-lhe em alto mar que o peso das suas toneladas pode ser mais suave que uma pena quando nos movemos por amor. E essa baleia pousou para a sua objectiva, como se esse fosse exactamente o seu propósito em vir à superfície naquele preciso momento. E aqui nasceu mais uma fotografia de inquestionável beleza. 
Temos de sair detrás dos nossos escudos, de dentro das nossas conchas e saltar para o mundo. Honrar todos os dias um pouco do que este avatar e outros fizeram e fazem para nos alertar, tornando-nos seres humanos cada vez melhores. Salgado mostra-nos o pior e o melhor de nós e confessa inegavelmente perante o mundo que somos uma espécie terrível, capaz de infligir o maior dos sofrimentos a outro ser igual... e no entanto, ao mesmo tempo, somos a única esperança do nosso planeta.
Descobri algo inusitado neste filme, apercebi-me que apesar de ter fé em nós como humanos, no fundo não acreditava que o planeta fosse sobreviver por muitos anos, mesmos por todos aqueles que nunca irei contar. E hoje este homem fez-me acreditar que todos podemos sobreviver. Este homem deu-me esperança, porque se alguém que já viu o que ele testemunhou, acredita, então há esperança.
Há esperança.

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