quinta-feira, 12 de junho de 2014

Mais uma lição...

Ainda a propósito da minha viagem à Suíça, quero partilhar convosco mais uma experiência que considero preciosa.
No dia em que sai de casa, levava a mala cheia com óleos, essências, doseadores em porcelana, velas, lamparinas, almofadas, roupa especial para as massagens e para o retiro, incenso e tudo o resto que se leva numa mala de viagem.
À parte tinha uma mochila com o meu livro, a almofada para colocar à volta do pescoço e dormir mais confortável no avião, um pacote de bolachas maria, uma banana, escova de dentes e uma fronha (já vos explico para quê).
Fiz o chek in on line e imprimi uma folha onde dizia que devia estar no aeroporto às 6h55m com a mala.
Acontece que ao cheguar apercebi-me que quando se referem a mala, não é mala de porão. Resumindo, a mala ficou.
Apanhei o avião ainda dormente de sensações relativamente a este imprevisto. A única coisa que me desviou a atenção foi esta impressão de estar no lado errado da cabine de voo. Fiquei na parte da frente das cortinas que separam a primeira da segunda classe. Imaginei que por ter entrado dois minutos antes das portas que nos encerram dentro da barriga do avião fecharem, a comissária de bordo me sentasse às pressas no lugar mais próximo.
Aproveitando ainda a tal dormência que sentia, fechei os olhos e dormi. Podem pensar no que quiserem, acontece que actualmente já vou conseguindo integrar novas experiências, presumidamente desagradáveis, de forma o mais natural possível. Viajar sem mala era uma experiência pela qual nunca tinha passado e para a qual não estava preparada. Então para quê reagir da pior maneira possível, ainda por cima sem saber se haveria uma solução? Decidi adiar a reacção.
Acordei com o pequeno almoço à frente. Mais uma vez admirada, desta feita com o serviço. Loiça a sério e não pratos de papel, talheres de aço como aqueles que temos em casa e não como os que nos dão quando comemos no take way ou nos aviões. O guardanapo era de pano, impecavelmente dobrado e passado a ferro, chávena de serviço de café, uma taça cheia de iogurte grego e uma salada de fruta fresca cheirosa. Fruta a cheirar a fruta e não a calda de açúcar como as que se vendem em latas. Esta companhia é boa, pensava, satisfeita por nem tudo estar a correr menos bem.
Enfim e nesta altura começo a aperceber-me que todas estas novidades são pouco habituais nas minhas viagens em classe turística. Até pago bastante bem pelas viagens, mas apenas porque há poucos que gostam de voar para sítios inóspitos. Lugares onde só os lagartos exóticos gostam de estar a apanhar sol ou embora se encontrem outros animais que nos apetece mais pegar ao colo ou abraçar por causa do pescoço peludo, para lá chegar temos de comer muito pó, passar frio e calor e massacrar a parte mais funda das costas. Por princípio os motoristas locais não falham um buraco. Imagino que prefiram poupar os pneus e não assustar ou incomodar os turistas com os constantes desvios abruptos que teriam de fazer para os evitar.
Voltando à estranheza daquelas mordomias todas ainda me perguntei: - será que tudo isto é porque o destino é a Suíça e este é um país "diferente", fora da Comunidade Europeia e de gente abastada? Mas isso não me fez sentido. Estava dormente, mas não tanto!
Acabei por vencer a minha distração, lembrando-me que o bilhete foi caro, porque na altura em que o comprei, com pouca antecedência da partida, (outra situação pouco habitual para mim) a única opção disponível era a business class, como confirmei na folha do check in que imprimi.  Ou seja, aquilo a que antes chamava de classe executiva. 
Bem, ao menos estava justificado o valor da viagem. Estranho é que não me conseguia sentir satisfeita com a descoberta!
Quando cheguei a Zurich, contei tudo ao Marcel que me esperava no aeroporto. Marcel é o Mestre Zen que me convidou para fazer parte do staff deste retiro de silencio e meditação, em que ia participar como massagista. Ficou estupefacto com a minha reacção ou melhor com a serenidade com que a aceitei. 
Nessa altura quis pensar sobre o assunto. E pensei. Não consegui foi chegar a conclusão nenhuma. Distraí-me com a paisagem que por se arrastar a alta velocidade em sentido contrário ao do combóio me exigiu toda a concentração.
Seguimos para Zug, que fica a cerca de 40m de Zurich. 
Quando chegámos ao nosso destino fui ao meu quarto deixar a mochila, já que mala não tinha e segui para fazer o reconhecimento do local. Magnífico por sinal. O edifício não é bonito, felizmente o exterior não casava com o interior, que é feito dos materiais que utilizaria se um dia fizesse uma casa. Madeira, cimento bruto (pelo menos de aparência) e vidro. Tudo muito aberto e protegido ao mesmo tempo. Vê-se o céu de todos os cantos, mas o sol não chega a todos eles.
O jardim parece uma pradaria, com muito campo selvagem, embora organizado de uma forma que as florinhas amarelas aparecem pintalgadas no sitio certo e a relva alta parece aparada e penteada para cima. Abaixo das florinhas, um número infinito de dentes de leão e a promessa eminente de se esvoaçarem no ar por capricho da brisa. Fosse eu borboleta e morria aqui. Como diz a minha mana, num sitio assim até ela ficava calada.
Depois fui conhecer a minha sala de massagens. Ficava numa casa à parte do edifício principal, muito antiga e tipicamente suíça. Quando entrei lá estava o que tinha pedido, o aquecedor, os colchões, uma cadeira e ainda uma mesa. Acabei por espreitar dentro de um armário e encontrei cobertores e uma taça tibetana. Perfeita para substituir os sinos tibetanos que estavam na minha mala retida em Lisboa.
Assim já tinha uma série de apetrechos. Faltava trazer as toalhas, as almofadas que sobreviveram ao imprevisto, a tal fronha que vos falei e que explico agora. Servia para forrar a almofada de pescoço transformando-na no apoio de cabeça. Assim o paciente não esborracha o nariz no colchão, pois tem um buraco perfeito onde o esconder. Foi uma ideia genial, modéstia à parte.
Tudo pronto, pensei eu. Mas depressa este sentimento de dever cumprido desapareceu e dolorosamente se transformou, quando me lembrei do óleo de massagens. Não tenho óleo, gritei em silencio!
Corri para a recepção e perguntei à Sonja aonde poderia comprar óleo. Respondeu que teria de voltar a Zug de autocarro. Como ainda faltava hora e meia para o inicio do retiro, preparei-me para seguir. Fui bloqueada pelo Mestre Zen que me disse não haver tempo e que era melhor utilizarmos um creme de corpo. Não sei se estão a ver, para um ayurvédico melhor seria usar sopa para fazer massagens, do que um creme de supermecado. Pelo menos é o que deduzo do facto do meu professor indiano me ter dito que tudo o que colocamos no corpo, deve ser comestível. Honestamente não me estou a ver comer creme nivea... mesmo que fosse com morangos.
Depois de lhe ter falado em comestível, Marcel levou-me para a cozinha e pôs-me em contacto com o cozinheiro. Este apenas falava suiço/alemão. Cheio de boa vontade de me ajudar levou-me à dispensa gigantesca do Centro e ali encontrei vários tipos de óleo. Trouxe um de noz a que juntei outro óleo suíço, qe se extrai das florinhas amarelas, sem cheiro e mais espesso.  Como não queria deixar os participantes do retiro a cheirar a óleo de cozinha, não cozinhado, juntei várias especiarias e alecrim. Esmaguei e misturei tudo e depois de espalhar a "poção" nas mãos dei a cheirar ao cozinheiro. - Hum! Disse ele com um sorriso na cara, lá nos seus dois metros de altura. E para isto não precisei de traducão.
Agora sim, tinha tudo o que precisava para me apresentar como a massagista oficial daquele retiro. Quem diz oficial, diz a única massagista do Centro.
Como ainda tinha uma meia hora até o gongo anunciar o inicio do retiro decidi descontrair um bocado. Fui até ao jardim, caminhei até encontrar um sofá fofo de erva cortada de fresco. Sentei-me, tirei as botas e alonguei as costas, esticando os braço para trás, pousando-os na totalidade na terra. Os olhos pararam no céu nu de nuvens e durante uns minutos fiquei simplesmente a sentir o peso do meu corpo a derreter-se no chão a cheirar a verde. Enchi o peito e soprei uma boca cheia de ar acertando em cheio num dente de leão. Enquanto as pequeninas sementes voavam em sintonia desordenada para cima, comecei novamente a pensar sobre a história da mala.
Que lição quereria a vida dar-me? O que teria eu a aprender com este episódio?
E a resposta veio de uma forma clara e sábia. Habituamo-nos a uma série de rotinas e comportamentos que se somam e automatizam e nos acondicionam em bolhas a que denominamos de zonas de conforto. Quando a bolha é picada por um imprevisto a primeira reacção que temos é a de entrar em pânico. E logo aqui entramos noutra bolha. Temos de nos sentir perdidos e desconfortavelmente irritados porque a situação assim o exige. Ir de viagem sem mala? Como? E agora? 
E se eu vos propuser um trocadilho? Tirem o "a" da mala. - Ir de viagem sem mal? Curioso não é? Se conseguirmos mudar a perspectiva, muda-se o sentimento e o sentir.
Quando me senti sem a mala, valorizei a viagem, apreciei a experiência única de poder pertencer ao grupo do Marcel no Centro de retiros na Suíça. Tantas vezes ouvi falar deste espaço jesuíta e sempre me soou como um lugar inacessível. Daqueles que se criam nos livros que não se encontram à venda em qualquer livraria e às vezes nem na Amazon. Agora era para lá que ia e como parte da equipa de um retiro. 
Não havia espaço no meu coração para preocupações ou medos. Olhei para a mala e despedi-me serenamente dela. Adeus mala, como diria o meu sobrinho. E a pressa para aceitar aquele desígnio foi tanta que nem quis roubar nada do seu conteúdo.
Em resposta a vida compensou-me com o que há de melhor no ser humano e mostrou-me que quando abri os braços escolhi receber. E recebi.
A Sonja emprestou-me dois tops, uma longslive e roupa interior. Alguém me deu um par de meias porque soube do acontecido e incomodou-se quando me viu andar de pés nus. O Marcel emprestou-me umas calças que dobrei cinco vezes na cintura e que me assentaram na perfeição, cedendo-me também parte do seu champoo. Na recepção comprei desodorizante e pasta de dentes (a escova tinha comigo) e também consegui um secador para o cabelo. No fim do retiro ainda recebi mais uma swet shirt oferecida pela Ivone, uma Pastora suiça, minha vizinha na sala de meditação.
Nada me faltou. Nada me fez falta. E ainda tive a alegria de poder sentir toda a gratidão pelo que me foi oferecido. Este episódio enriqueceu a minha vida. Foi uma grande lição. Lá cresceu mais um bocadinho o meu coração.
E a resposta da vida é esta, quando estás aberta a receber, a vida oferece. Quando sentes que nada te vai fazer falta, tudo o que precisas aparece. Quando desvalorizas o teu apego, sentes-te livre.
Sair da nossa zona de conforto é surpreender-nos com os resultados. É deixarmos os milagres acontecerem. 
Muito grata por Ser e Estar

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