sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Ultima noite na montanha

Seis minutos depois de sair dos escritórios da "Corto Safari" realizo que nunca mais vou ver estas pessoas.
Há individuos que entram nas nossas vidas por seis dias para vivermos com eles momentos intensos, momentos inesquecíveis e irrepetíveis. Momentos que não vivemos com as pessoas da nossa família, nem com os amigos ou companheiros.
Viajar é isto mesmo uma busca de dias intensos e fortes, exóticos e perigosos que não existem no nosso quotidiano. E acabamos por partilhar essas passagens com pessoas que mal conhecemos e com as quais estamos apenas durante a aventura.
Ainda que consigamos trocar fotografias e mensagens pela internet, esta será uma amizade efêmera. No fundo, fica aonde termina a aventura... longe e distante...
A subida ao Kilimanjaro foi sem duvida absolutamente alguma a aventura mais difícil que já empreendi. Atrevo-me a adivinhar que não voltarei aquela montanha. Não que não tenha gostado, ao contrário, amei cada segundo e agora à distância consigo valorizar muito mais o que senti. Celebro ainda cada momento. Provavelmente daqui a um ano ou dois até mudo de ideias e volto. Quem sabe... O espirito de aventura dá-nos esta possibilidade, a de mudarmos de ideias...
Estávamos a 4600 m de altitude e isso trás efeitos no nosso corpo, principalmente quando a ascensão até aqui leva apenas quatro dias. Tentavamos a subida ao pico mais alto de África, o tecto do continente africano como li algures nos panfletos turísticos da Tanzania.
Depois de seis horas de caminhada, o calendário contava agora cinco dias de montanha e muitos quilometros percorridos. Eram 23h00m desse mesmo dia. Saímos após umas breves quatro horas de sono. Deram-nos um crepe com mel e chá, nos quais não toquei. Durante este curto descanso acordei várias vezes enjoada e quando nos serviram esta refeição ligeira não consegui senão beber água quente e fervida (que é a única água que podemos beber em África para além daquela que é engarrafada, para não ficarmos com os intestinos virados do avesso).
A noite estava fria, menos dez graus centígrados para ser mais exacta. Não fazia vento e o céu não podia estar mais estrelado. Pela experiência que já havia tido no Nepal, para além de levar cinco camadas de camisolas e três de calças, decidi não levar sticks para poder levar as mãos dentro dos bolsos, protegidas com luvas. Resultou. Estar abaixo do sinal menos no termómetro implica alguns cuidados e atenções para com as nossa extremidades. Há quem tenha perdido dedos e até mesmo a ponta do nariz por levar essas saliencias desprotegidas.
O caminho começa logo por ser duro por causa da inclinação acentuada. Seguimos muito, muito devagar. A falta de ar não nos permite seguir a passo normal. Houve alturas em que mais parecia que o meu coração ia parar definitivamente sem ter forças para explodir ou rebentar. Simplesmente parar... Puf...
Foram oito horas de subida, oito horas seguidas sem comer, sem ter vontade de urinar, quase sem poder falar. Contei todas as estrelas que existiam no céu e quando elas acabaram tive de inventar um novo universo para poder continuar a contar. Inventei sete universos ao todo. Não tenho memória de ter visto tantas estrelas e de ter investido tanto tempo para as contar.
A certa altura do percurso fiquei para trás. Os três companheiros que tentavam a ascenção comigo caminhavam mais depressa. Talvez não estivessem a contar estrelas ou a inventar universos. Assim, continuei apenas eu e um dos três guias, Lamsi do sorriso de sol (pelo menos era assim que eu via aquele sorriso cada vez que olhava para mim, luz e calor na noite fria).
Numa das nossas muitas paragens para eu ganhar fôlego, (eu porque ele respirava de uma forma incompreensívelmente diferente e só parava para me dar água a beber), reparei que também havia estrelas abaixo do céu. A limpidez do ar era tanta que víamos a mancha de luz de Moshuma a quilómetros de distância, cidade que atravessámos no dia seguinte... Curioso como nesse dia já não tinha estrelas. De longe pareceu-me muito mais próxima do céu. Talvez por isso os Seres que habitam o universo não venham cá, sentem-se mais próximos quando nos vêm ao longe.
Houve muitas alturas em que com todas as dificuldades, me senti no céu, principalmente quando o Lamsi do sorriso de sol me pegava na mão e me puxava para cima das pedras ou quando me deixava sentar com a cabeça apoiada no seu ventre. Por momentos sentia-me curada do cansaço. Como se ele fosse uma mãe ou um anjo.
Quando estávamos a mais de meio caminho deu-me a fome. Tirei uma bolacha da mochila e trinquei, porém não consegui comer. Senti a dureza do estômago que entretanto se havia alojado nas costas, um enjoo tremendo e quis vomitar a fome.
Daqui demorámos mais duas horas até ao topo. Neste tempo o meu corpo desmembrou-se mil vezes de si mesmo. Muitas vezes foi só pulmões que mais pareciam duas asas de borboleta enormes e abertas, presas ás minhas costas de boca aberta para apanhar mais ar. Outras vezes foi só coração, como se todo o meu sangue se tivesse precipitado para dentro deste músculo gigante transformando-o num novo planeta a arder. Uma vez foi só estômago, porque continuava a não conseguir vomitar a fome.
Por fim, já a ver o ponto de chegada sentei-me numa rocha para ver o nascer do sol. Foi quando me apercebi de uma montanha à mesma altura da minha cabeça, o Pico Mawenzi a Este, com 5349 metros (cuja fotografia e única da montanha, publico aqui, pois tal como eu a máquina estava sem fôlego e esta foi a imagem que a custo captou). Por um segundo pareceu-me que se estendesse a mão conseguiria tocar e subir-lhe para cima. Felizmente a sensação de vertigem que tive impediu-me de dar esse salto, pois se o fizesse caia num precipício.
Nunca tinha tido uma montanha à altura da minha cabeça, sem estar em cima dela. Senti a sua força como uma bola gigante de energia arremessada na minha direção. De repente fiquei envolta de uma pressão que me comprimiu por causa dessa energia e tive urgência em levantar-me para continuar a subir. 
O sol já tinha a sua forma de bola completa e emergia do fundo de um mar de bruma cinza arrosada. Curioso como pousava para cá da linha do horizonte e não em cima dela como é habitual. Esta imagem gravei-a na memória, a máquina fotográfica já não funcionou. Talvez o frio tenha "congelado" a bateria.
A 100m do topo da montanha o meu corpo está no limite da sua capacidade. Não fosse Lamsi do sorriso de sol e penso eu, não teria conseguido encontrar forças para continuar.
A falta de ar faz-nos sentir os pulmões e o coração mais pesados que os braços e que as pernas. Por momentos fui uma montanha!
É extraordinário como me senti espantada com a reserva inesgotável de coragem que encontrei em mim. É absolutamente gloriosa a sensação de superarmos os nossos limites. De conquistarmos não só o que nos parece impossível e também o nosso corpo.
Confesso que não duvidei nem por um minuto que conseguiria. Acredito muito na minha saúde mental e física e sabia que não me deixaria ficar a meio. Apesar de todas as dificuldades, dentro de mim existiu sempre uma espécie de tranquilidade que me trouxe um sossego abençoado e sentido.
Posso assegurar-vos que numa viagem como esta conquistamos muito de nós e aprendemos muitas lições. Ganhamos oceanos novos e fenómenos raros e momentâneos acontecem. A vida fica atenta a novos sinais e o nosso corpo ganha novas memórias. Uma grande lição que trago ou melhor, que relembro nesta aventura é precisamente a de que o nosso corpo é o meio de transporte para tudo o que fazemos, para todos os lugares que vamos, para todas as emoções que sentimos. É o corpo que nos permite viver todas as nossas aventuras. É também o corpo que nos une à natureza.
Corpo, mente e espírito. Precisamos dos três para subir a montanha e ela enriquece-nos os três...

domingo, 17 de agosto de 2014

Escrevendo palavras...

Há palavras demasiado grandes para se guardarem no coração. Há palavras que escondem aquilo que realmente queremos dizer. Há aquelas que são ditas numa língua que não percebemos. Outras que são ditas à distância de uma rua ou de uma janela alta e que não ouvimos. Há palavras que foram escritas em forma de figuras nas paredes de uma caverna há milhares anos atrás e que escondem segredos que poderiam hoje salvar a humanidade e no entanto quem as desenhou morreu levando o mistério consigo. Há estrelas que falam palavras quando reflectidas nos olhos das pessoas apaixonadas. Há palavras que saltam para o ar saídas das mãos dos que não podem utilizar a boca para as dizer. Há palavras que caiem no vazio e outras que se repetem até ao infinito para chegar ao seu destino. Há as palavras que nunca dissemos, mas que vibraram tanto que nos desventraram por dentro com a força da sua natureza. Há momentos que cabem numa só palavra e silêncios que valem por mil.

Podemos pintar as palavras e transformá-las na copa de uma árvore, numa paisagem, num poema, numa tatuagem. Por vezes também as gravamos no céu escrevendo-as com os olhos. Outras vezes lançamos as palavras no vento gritando para que ninguém as oiça. A palavra explica outras palavras, faz rir, faz doer. Não se agarra uma palavra, mas por vezes apriosionamo-la à saida da boca e acorrentamo-la à garganta. A palavra é assim, define a vida, sentimentos, momentos. Tem poder, é linda, é explosiva, é tocante, viciante, é acutilante, é inocente, mata e cura, é pura...

... Podia encontrar mil palavras para descrever o que sinto que é viver, o que sinto que é amar e sentir-me amada. Unir todas as letras de todos os livros que já li para criar um outro livro e explicar por palavras minhas o que sinto que é viver e amar. Podia escrever a letra de uma música cheia de palavras e inventar uma melodia para as cantar. Podia grafitar uma mensagem com palavras coloridas, em todos os muros brancos de todas cidades do mundo. Podia escrever e agarrar uma mensagem cheia de palavras a um satélite e fazê-lo rodopiar pela via láctea para todo o planeta ver... Poder podia e no entanto não há necessidade. Há uma palavra que diz tudo, que une tudo, que me preenche a alma, que vibra ao mesmo nível do amor... Essa palavra é Gratidão... e está escrita aqui mesmo... no meu peito...

domingo, 6 de julho de 2014

Meu querido pequenino



Por vezes dentro dos minutos que correm sem esperar pelo dia, habito o espaço entre os teus caracóis. Lembro-me da tua boca em forma de cereja e foco-me nos teus olhos. Parecem ter as estrelas penduradas nas pestanas tal é a luz que têm e não resisto a esmagar-te com um beijo, apertando as tuas bochechas fofas que nem almofadas.Ter-te na minha vida é como estar em constante festa com o meu coração. Às vezes pergunto como é que uma vida tão pequenina tem um tamanho tão grande dentro de mim. Como é que um abraço tão frágil tem o poder de me fazer sentir uma energia tão pura e genuina, um amor que me restabelece e me cura de todos os males. O mundo pára por momentos. E tu perpetuas esses momentos pendurando os teus bracinhos nos meus ombros, enquanto enrolas o teu pescocinho no meu. Como é que tanto cabe dentro de um corpo é difícil de explicar. Não fosse ver o universo com todos os seus planetas e sóis no teu sorriso e não acreditava.
Adoro passear-te, correr atrás de ti enquanto tu corres atrás dos pássaros e os pássaros correm de ti. Contigo subo e desço a gritar uuhhh, os pequenos relevos de terra disfarçada de relva fresca, como se fossem as montanhas mais altas de países distantes. Esqueço-me do tempo enquanto tu apontas o teu dedinho perfeito para o céu e tocas os aviões que passam, que são mais pequenos que o teu dedinho. Não me canso de te ouvir chamar todas as motas de Lisboa, mesmo que passem duas ou três no mesmo segundo. Todos os popós gandes. Todas as biciquetas.
Estás presente nas páginas que leio, nas imagens que vejo, na lua, no rio e nos passeios. É como se tudo se tornasse mais nítido, mais consciente, mais vivo. Estás nos espaços entre os momentos que não estamos juntos, na luz filtrada pelas árvores que vejo quando olho para o céu, no som que vem com o vento, na vibração dos meus pensamentos, nas 1001 fotografias que tenho no meu telemóvel. Estás. E é tão bom!
A tua mãe uma vez escreveu-me: "Ser tia é amar uma pessoinha que não é sua, mas a quem você pertence. É acompanhar a vida de quem vive outras histórias e que eternamente fará parte da sua." in Adamaris Elias Nada mais verdadeiro. A vida com o "Inene" tem um sentido diferente. Contigo tudo é gigante:) Vieste redimensionar o sentido da vida, do meu corpo. O meu coração já não vive apenas no meu peito, também está no teu.
Dois anos de puro delírio me tens oferecido meu querido. Muito amor por ti é o que sinto... e muito muito muito muito grata

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Mais uma lição...

Ainda a propósito da minha viagem à Suíça, quero partilhar convosco mais uma experiência que considero preciosa.
No dia em que sai de casa, levava a mala cheia com óleos, essências, doseadores em porcelana, velas, lamparinas, almofadas, roupa especial para as massagens e para o retiro, incenso e tudo o resto que se leva numa mala de viagem.
À parte tinha uma mochila com o meu livro, a almofada para colocar à volta do pescoço e dormir mais confortável no avião, um pacote de bolachas maria, uma banana, escova de dentes e uma fronha (já vos explico para quê).
Fiz o chek in on line e imprimi uma folha onde dizia que devia estar no aeroporto às 6h55m com a mala.
Acontece que ao cheguar apercebi-me que quando se referem a mala, não é mala de porão. Resumindo, a mala ficou.
Apanhei o avião ainda dormente de sensações relativamente a este imprevisto. A única coisa que me desviou a atenção foi esta impressão de estar no lado errado da cabine de voo. Fiquei na parte da frente das cortinas que separam a primeira da segunda classe. Imaginei que por ter entrado dois minutos antes das portas que nos encerram dentro da barriga do avião fecharem, a comissária de bordo me sentasse às pressas no lugar mais próximo.
Aproveitando ainda a tal dormência que sentia, fechei os olhos e dormi. Podem pensar no que quiserem, acontece que actualmente já vou conseguindo integrar novas experiências, presumidamente desagradáveis, de forma o mais natural possível. Viajar sem mala era uma experiência pela qual nunca tinha passado e para a qual não estava preparada. Então para quê reagir da pior maneira possível, ainda por cima sem saber se haveria uma solução? Decidi adiar a reacção.
Acordei com o pequeno almoço à frente. Mais uma vez admirada, desta feita com o serviço. Loiça a sério e não pratos de papel, talheres de aço como aqueles que temos em casa e não como os que nos dão quando comemos no take way ou nos aviões. O guardanapo era de pano, impecavelmente dobrado e passado a ferro, chávena de serviço de café, uma taça cheia de iogurte grego e uma salada de fruta fresca cheirosa. Fruta a cheirar a fruta e não a calda de açúcar como as que se vendem em latas. Esta companhia é boa, pensava, satisfeita por nem tudo estar a correr menos bem.
Enfim e nesta altura começo a aperceber-me que todas estas novidades são pouco habituais nas minhas viagens em classe turística. Até pago bastante bem pelas viagens, mas apenas porque há poucos que gostam de voar para sítios inóspitos. Lugares onde só os lagartos exóticos gostam de estar a apanhar sol ou embora se encontrem outros animais que nos apetece mais pegar ao colo ou abraçar por causa do pescoço peludo, para lá chegar temos de comer muito pó, passar frio e calor e massacrar a parte mais funda das costas. Por princípio os motoristas locais não falham um buraco. Imagino que prefiram poupar os pneus e não assustar ou incomodar os turistas com os constantes desvios abruptos que teriam de fazer para os evitar.
Voltando à estranheza daquelas mordomias todas ainda me perguntei: - será que tudo isto é porque o destino é a Suíça e este é um país "diferente", fora da Comunidade Europeia e de gente abastada? Mas isso não me fez sentido. Estava dormente, mas não tanto!
Acabei por vencer a minha distração, lembrando-me que o bilhete foi caro, porque na altura em que o comprei, com pouca antecedência da partida, (outra situação pouco habitual para mim) a única opção disponível era a business class, como confirmei na folha do check in que imprimi.  Ou seja, aquilo a que antes chamava de classe executiva. 
Bem, ao menos estava justificado o valor da viagem. Estranho é que não me conseguia sentir satisfeita com a descoberta!
Quando cheguei a Zurich, contei tudo ao Marcel que me esperava no aeroporto. Marcel é o Mestre Zen que me convidou para fazer parte do staff deste retiro de silencio e meditação, em que ia participar como massagista. Ficou estupefacto com a minha reacção ou melhor com a serenidade com que a aceitei. 
Nessa altura quis pensar sobre o assunto. E pensei. Não consegui foi chegar a conclusão nenhuma. Distraí-me com a paisagem que por se arrastar a alta velocidade em sentido contrário ao do combóio me exigiu toda a concentração.
Seguimos para Zug, que fica a cerca de 40m de Zurich. 
Quando chegámos ao nosso destino fui ao meu quarto deixar a mochila, já que mala não tinha e segui para fazer o reconhecimento do local. Magnífico por sinal. O edifício não é bonito, felizmente o exterior não casava com o interior, que é feito dos materiais que utilizaria se um dia fizesse uma casa. Madeira, cimento bruto (pelo menos de aparência) e vidro. Tudo muito aberto e protegido ao mesmo tempo. Vê-se o céu de todos os cantos, mas o sol não chega a todos eles.
O jardim parece uma pradaria, com muito campo selvagem, embora organizado de uma forma que as florinhas amarelas aparecem pintalgadas no sitio certo e a relva alta parece aparada e penteada para cima. Abaixo das florinhas, um número infinito de dentes de leão e a promessa eminente de se esvoaçarem no ar por capricho da brisa. Fosse eu borboleta e morria aqui. Como diz a minha mana, num sitio assim até ela ficava calada.
Depois fui conhecer a minha sala de massagens. Ficava numa casa à parte do edifício principal, muito antiga e tipicamente suíça. Quando entrei lá estava o que tinha pedido, o aquecedor, os colchões, uma cadeira e ainda uma mesa. Acabei por espreitar dentro de um armário e encontrei cobertores e uma taça tibetana. Perfeita para substituir os sinos tibetanos que estavam na minha mala retida em Lisboa.
Assim já tinha uma série de apetrechos. Faltava trazer as toalhas, as almofadas que sobreviveram ao imprevisto, a tal fronha que vos falei e que explico agora. Servia para forrar a almofada de pescoço transformando-na no apoio de cabeça. Assim o paciente não esborracha o nariz no colchão, pois tem um buraco perfeito onde o esconder. Foi uma ideia genial, modéstia à parte.
Tudo pronto, pensei eu. Mas depressa este sentimento de dever cumprido desapareceu e dolorosamente se transformou, quando me lembrei do óleo de massagens. Não tenho óleo, gritei em silencio!
Corri para a recepção e perguntei à Sonja aonde poderia comprar óleo. Respondeu que teria de voltar a Zug de autocarro. Como ainda faltava hora e meia para o inicio do retiro, preparei-me para seguir. Fui bloqueada pelo Mestre Zen que me disse não haver tempo e que era melhor utilizarmos um creme de corpo. Não sei se estão a ver, para um ayurvédico melhor seria usar sopa para fazer massagens, do que um creme de supermecado. Pelo menos é o que deduzo do facto do meu professor indiano me ter dito que tudo o que colocamos no corpo, deve ser comestível. Honestamente não me estou a ver comer creme nivea... mesmo que fosse com morangos.
Depois de lhe ter falado em comestível, Marcel levou-me para a cozinha e pôs-me em contacto com o cozinheiro. Este apenas falava suiço/alemão. Cheio de boa vontade de me ajudar levou-me à dispensa gigantesca do Centro e ali encontrei vários tipos de óleo. Trouxe um de noz a que juntei outro óleo suíço, qe se extrai das florinhas amarelas, sem cheiro e mais espesso.  Como não queria deixar os participantes do retiro a cheirar a óleo de cozinha, não cozinhado, juntei várias especiarias e alecrim. Esmaguei e misturei tudo e depois de espalhar a "poção" nas mãos dei a cheirar ao cozinheiro. - Hum! Disse ele com um sorriso na cara, lá nos seus dois metros de altura. E para isto não precisei de traducão.
Agora sim, tinha tudo o que precisava para me apresentar como a massagista oficial daquele retiro. Quem diz oficial, diz a única massagista do Centro.
Como ainda tinha uma meia hora até o gongo anunciar o inicio do retiro decidi descontrair um bocado. Fui até ao jardim, caminhei até encontrar um sofá fofo de erva cortada de fresco. Sentei-me, tirei as botas e alonguei as costas, esticando os braço para trás, pousando-os na totalidade na terra. Os olhos pararam no céu nu de nuvens e durante uns minutos fiquei simplesmente a sentir o peso do meu corpo a derreter-se no chão a cheirar a verde. Enchi o peito e soprei uma boca cheia de ar acertando em cheio num dente de leão. Enquanto as pequeninas sementes voavam em sintonia desordenada para cima, comecei novamente a pensar sobre a história da mala.
Que lição quereria a vida dar-me? O que teria eu a aprender com este episódio?
E a resposta veio de uma forma clara e sábia. Habituamo-nos a uma série de rotinas e comportamentos que se somam e automatizam e nos acondicionam em bolhas a que denominamos de zonas de conforto. Quando a bolha é picada por um imprevisto a primeira reacção que temos é a de entrar em pânico. E logo aqui entramos noutra bolha. Temos de nos sentir perdidos e desconfortavelmente irritados porque a situação assim o exige. Ir de viagem sem mala? Como? E agora? 
E se eu vos propuser um trocadilho? Tirem o "a" da mala. - Ir de viagem sem mal? Curioso não é? Se conseguirmos mudar a perspectiva, muda-se o sentimento e o sentir.
Quando me senti sem a mala, valorizei a viagem, apreciei a experiência única de poder pertencer ao grupo do Marcel no Centro de retiros na Suíça. Tantas vezes ouvi falar deste espaço jesuíta e sempre me soou como um lugar inacessível. Daqueles que se criam nos livros que não se encontram à venda em qualquer livraria e às vezes nem na Amazon. Agora era para lá que ia e como parte da equipa de um retiro. 
Não havia espaço no meu coração para preocupações ou medos. Olhei para a mala e despedi-me serenamente dela. Adeus mala, como diria o meu sobrinho. E a pressa para aceitar aquele desígnio foi tanta que nem quis roubar nada do seu conteúdo.
Em resposta a vida compensou-me com o que há de melhor no ser humano e mostrou-me que quando abri os braços escolhi receber. E recebi.
A Sonja emprestou-me dois tops, uma longslive e roupa interior. Alguém me deu um par de meias porque soube do acontecido e incomodou-se quando me viu andar de pés nus. O Marcel emprestou-me umas calças que dobrei cinco vezes na cintura e que me assentaram na perfeição, cedendo-me também parte do seu champoo. Na recepção comprei desodorizante e pasta de dentes (a escova tinha comigo) e também consegui um secador para o cabelo. No fim do retiro ainda recebi mais uma swet shirt oferecida pela Ivone, uma Pastora suiça, minha vizinha na sala de meditação.
Nada me faltou. Nada me fez falta. E ainda tive a alegria de poder sentir toda a gratidão pelo que me foi oferecido. Este episódio enriqueceu a minha vida. Foi uma grande lição. Lá cresceu mais um bocadinho o meu coração.
E a resposta da vida é esta, quando estás aberta a receber, a vida oferece. Quando sentes que nada te vai fazer falta, tudo o que precisas aparece. Quando desvalorizas o teu apego, sentes-te livre.
Sair da nossa zona de conforto é surpreender-nos com os resultados. É deixarmos os milagres acontecerem. 
Muito grata por Ser e Estar

sábado, 10 de maio de 2014

A minha sala de massagens na Suíça

Estou aqui faz cinco dias...
Hoje entrei na minha sala de massagens e reconheci imediatamente o cheiro característico que ela agora tem. Um aroma doce do óleo, de ervas e de antigo, como ela. Parecia que já a conhecia há anos. Foi uma sensação inesperada, mas muito confortável.

 A última massagem que dei foi ontem. Sai por volta das dez e um quarto da noite e segui para o quarto de banho onde deixei a água levar todo o cansaço e toda a tensão do dia. Ficou a gratidão e a alegria de estar aqui.
Quando cheguei ao quarto, depois da derrota do corpo pelo líquido, tinha um postal ao fundo da porta a agradecer uma massagem que ofereci a alguém que não podia fazer o investimento e que estava muito carente desse amor. Costumo dormir bem... nessa noite dormi ainda melhor, embalada por palavras de gratidão e ternura que me encheram a alma.
A sala das massagens foi improvisada para poder acolher todos aqueles que vieram experimentar a terapia Ayúrvedica.
É uma sensação incrível a de fazer uma massagem. Estou a dar e a receber em simultâneo. O outro sou eu. Parece um ciclo fechado e único que me permite, com consciência, cuidar sempre com muita atenção, ao mesmo tempo que o meu paciente se abre e me consente. No final, numa tentativa de guardar a experiência para sempre dentro de si, respira fundo. Os seus olhos abrem-se e assemelham-se a duas janelas, onde sempre esteve guardado o segredo da paz e da tranquilidade. A entrega é total e sem filtros. 
Quando chegam não imaginam a transformação que vai acontecer. Despem-se, deitam-se e nus de tudo abrem os braços e oferecem-me a sua vulnerabilidade. Sem darem por isso vão morrendo do mundo e ficam apenas no corpo. Há uns que resistem mais tempo, mas é escusado. Aos poucos o óleo faz efeito e os sentidos rendem-se ao momento.
Ao final de cinco dias esta sala já recebeu mais de quinze pessoas e ainda mais estão para vir. As minhas mãos já abriram chakras, percorreram toda a espécie de tecidos, libertaram frustrações, estenderam músculos, pressionaram tendões, tocaram marmas, hidrataram vários tipos de pele e fizeram o sangue correr livremente pelos canais oxigenados. Estão cheias.
Quando olho da porta para dentro da sala, vejo o colchão no chão, os cobertores em cima, duas almofadas, o óleo com alecrim e o coador das especiarias, a taça tibetana ao lado do doseador e sinto-me privilegiada com tanta abundância. O menos é mais, penso eu. Eternizo este momento no meu coração, unindo-o a todos os outros que já gravei aqui neste retiro.
Hoje faltou-me marcação para a primeira hora da manhã. Aproveito e vou ouvir os pássaros debaixo de uma árvore, onde faço este texto.
Diderot uma vez disse "já lá estou antes de chegar e ainda ficarei depois de ter partido". Assim é com a minha sala de massagens na Suíça. De alguma forma a minha vibração chegou antes de mim e vai ficar depois de amanhã, após regressar a Lisboa.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Janela para o aquário

Conhecem aqueles filmes em que alguém tem uma vista indiscreta para uma janela do prédio da frente? Pois eu sou uma dessas pessoas. 
Há uma janela que se denuncia no prédio que está a nascente do meu. O edifício está a uma distância de 200m e a janela está um pouco abaixo da minha. Entre nós não existe nada a não ser a altura que nos separa. As árvores estão muito lá em baixo e os pássaros passam rápido, pelo que nada interrompe aquilo que vos vou contar.
Dentro desta janela existe um aquário e de tão grande que é, ocupa todo o cenário a que tenho acesso. É como se se tratasse de um palco em que o único acessório é este reservatório de água, peixes e plantas. 
A actriz chega em minutos. Vem nua, pelo menos da cintura para cima. Pára em frente à janela e consigo perceber-lhe os contornos do peito contra luz. Tem os cabelos ondulados e soltos sobre as costas e quando se dobra sobre o aquário, as madeixas, obedecendo ao gesto, deslizam cobrindo-lhe o rosto.
A luz que vem de cima reflecte o prateado dos peixes. Parecem pirilampos a piscar e a rodopiar na hora do crepúsculo. Pirilampos que nadam em vez de voar. Há um deles que é vermelho, por acaso é o maior. Esse não brilha como os outros, mas é mais rápido.
A protagonista de vez em quando desaparece e por vezes até demora a reaparecer. Parece que brinca com a minha curiosidade, embora nunca se tenha apercebido que ali estou a vê-la. É um espectáculo secreto, sem ensaios ou encenadores, sem bilheteira ou possibilidade de fazer reserva. A atriz actua sem hora marcada, sem palco ou texto, para um público que não lhe vai bater palmas, nem oferecer rosas.
E assim, enquanto como morangos frescos acabados de lavar, pingando água ainda, sacio a fome e a sede, ao mesmo tempo que espio a beleza alheia. Embora tenha a minha preferência definida, tenho de confessar que me delicio a vê-la. Por vezes parece que dança nos seu gestos dengosos. Bravo, penso eu. Bravo! Quase o grito, como se estivesse na plateia.
Imagino quantos cenários destes existem por entre os prédios de Lisboa. Quantos corpos nus são secretamente espiados através das janelas abertas.  Quantos deles inspiram quadros, fantasias e até poesia. 
Talvez hoje deixe a minha aberta. Talvez a Poente seja eu a observada... 

photo byLaycos

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Janela para...

Se hoje pudesse abrir uma janela e escolher o que está do outro lado, escolhia ver um campo aberto, coberto por um céu azul limpo e infinito. Um manto de flores do campo, povoado por papoilas saltitantes e margaridas vestidas de noivas, pintalgadas por joaninhas. E se a janela fosse grande, saltava para fora e ia respirar o cheiro da Primavera. Subia para as cavalitas de uma árvore e ficava ali a deixar-me despentear pelo vento. E quando o sol me chamasse, obedecia e deitava-me de costas junto às papoilas, com as mãos atrás da cabeça a servirem de almofada e ficava ali. Ficava a ouvi-lo enquanto se põe ao som da brisa morna do final do dia, pintando o azul de amarelo e laranja.E quando passasse o turno à lua, adormecia. Só de imaginar sinto o maroto do meu coração cheio de vida e energia a puxar-me o sorriso. Não sei porquê, mas isto parece-me uma prendinha da Primavera:)
E tu, já pensaste como seria a tua janela?

terça-feira, 1 de abril de 2014

Dia das mentiras!

Sem saber a que horas abre o teu coração, nem durante quanto tempo permanecerá aberto, arrisco. E a partir de uma determinada hora, acertada com o teu relógio, o meu coração espera por ti.
Tenho esperança que o sentimento caminhe nos dois sentidos, o meu para ti e o teu para mim.
O entusiasmo parece crescer. As conversas sobrevoam as mesas aonde almoçamos e os jardins da cidade convidam-nos a entrar no meio das escapadelas a meio da tarde.
Já reconheço o som grave da tua voz e o cheiro do teu cabelo. O por do sol inventa rasgos de luz laranja no horizonte e a lua interrompe o silencio refletindo-se em ondas prateadas, enquanto a minha mão se aquece na tua.
A noite chega. Os lábios encostados ao ouvido revelam mil e um segredos,
as mãos indicam aonde está o desejo.
Juntos, sem querermos saber, ficamos apesar da falta de promessas.
No dia seguinte a manhã dita a hora de partir.
E de repente o telefone deixou de tocar, já não estacionas o carro ao fundo da rua no fim do dia. A caça terminou e o entusiasmo esgotou-se em duas noites. 
Ficam as emoçoes, a certeza de que tudo é efémero e as expectativas passam do futuro para o passado numa fração de segundo. Como se de repente hoje fosse o dia das mentiras... e tudo não tivesse acontecido!
E agora perguntam, verdade ou mentira:)

terça-feira, 25 de março de 2014

Minha Mãe, o Eterno Feminino e muito mais!



Ontem fez anos a mulher mais charmosa e elegante que conheço. A minha Mãe.

Foi há pouco tempo que me apercebi que o meu feminino me foi oferecido aos poucos, durante anos, todos os dias, sem nunca nada me ter sido dito ou deliberadamente mostrado. Tive a sorte de ter em casa uma mulher que se mostrava feminina a cada gesto que fazia e que eu observava despreocupada, sem saber que assim era.
Hoje há imagens que tenho guardadas na memória e que recordo com gratidão. O meu corpo vestiu esses gestos... Estou a falar da minha Mãe.

Esta história de ser feminina tem muito que se lhe diga. Nem tudo é assim tão natural. Há gestos que se aprendem, movimentos que se copiam, aparências que se cuidam.

Lembro-me de estar presente quando a minha Mãe saia do banho e se limpava suavemente na toalha. A forma dengosa e metódica com que espalhava o creme no corpo. Primeiro nas pernas, de baixo para cima e depois ombros e braços, alongando-se até às mãos. O peito e o ventre em último lugar. Nenhum ponto do corpo era esquecido.

Depois passavamos para o quarto. Mais uma vez, sem me aperceber seguia-lhe os passos e observava. Tinha a indumentária escolhida desde a noite anterior, hábito que ainda hoje eu copio e repito diariamente. Sempre em frente ao espelho, as peças de roupa tomavam a forma do seu corpo alto, magro e para mim sempre jovem. Não se pintava, não colocava jóias, era o perfume o toque final. Adorno que não se via, mas sentia-se. O frasco escolhia-o na altura e tirava-o da cómoda cheia de essências que chegavam de todo o mundo e que se espalhavam pela casa anunciando o fim deste ritual diário.


Quando me perguntaram agora há pouco tempo, quem era para mim a minha referência no que diz respeito ao feminino, tive de fazer jus aos anos em que fui aprendiz desta espécie de feiticeira do feminino. O que foi muito bom, pois finalmente pude sentir-me verdadeiramente grata e ainda por cima, não só a Deus. Há alguém a quem posso de viva voz agradecer a minha feminilidade e essa pessoa é a mulher minha Mãe.

Sinto ainda vontade de lhe agradecer outra coisa. 
Sempre associei a intensidade de amar ao meu pai, por várias razões que não são agora importantes. Acontece que a questão do feminino que falei acima, levou-me a outra verdade. 

Embora menos perceptível em gestos e ou palavras, a minha Mãe sempre nos protegeu de uma forma leonina e por vezes até agressiva. Se há pessoa que nunca teve medo de enfrentar a dor, o orgulho, a pobreza, o tempo e a incerteza, desconhecidos, polícias e ladrões, foi esta Senhora. 

Hoje quero dizer em sua homenagem que tenho a noção clara e real do que é ser amada e protegida, do que é saber que tudo pode faltar nesta vida, excepto a certeza de que nunca vou estar sozinha, porque a minha Mãe está sempre presente.

Passam-nos tantas pessoas na vida, tantos amigos, professores, conhecidos, namorados e amantes, tantos acontecimentos, tantas recordações e vivências. E quando abro este baú cheio de memórias, há um fio condutor em todas elas, que tudo une e clarifica, que marca presença. A minha Mãe.

Esta pessoa que hoje sou, não sou só eu, uma parte é também a minha Mãe. Como se no dia do meu nascimento, o beijo que a minha Mãe me deu, as lágrimas de emoção que ela deixou cair no meu rosto me tivessem baptizado de uma luz que nunca mais se apagou. E essa luz sinto-a morna e viva no meu peito quando mais preciso. Nessa altura sei sempre aonde posso ir e aonde posso descansar.

Muito grata minha querida Mãe. 
...As palavras são muitas, mas o amor é muito mais.

da tua filha beloca

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

É fácil!...

Gosto de pessoas fáceis. Pessoas que se lêem nos olhos e na boca.
Pessoas que se entendem pelo dialogo das mãos. Que sorriem por simpatia e generosidade.
Pessoas que não se impõem, mas que marcam presença pela voz que dança e até pelo silencio.
Gosto de pessoas atentas e das que nos divertem com a sua distração.
Que se riem de si próprias e elogiam com genuinidade.
As pessoas fáceis parecem-me livres. Pessoas que estão mais no presente. Aceitam sugestões, embora já tenham planos. Pessoas que gostam do verbo "ir" e quando ficam, estão.
Pessoas que respondem simplesmente: - combinado.
Gosto de pessoas que desdramatizam e me dizem "uma coisa de cada vez... e tudo muito, depois".

Gosto de pessoas fáceis, que não pensam de vez em quando, dando espaço ao sentir, ao desejar, ao olhar, ao sorrir.
Gosto muito de pessoas, de todas ou só de algumas, as daqui e as do lado de lá, as que estão e as que já partiram, as que conheço ou ainda não. Gosto das que apenas vi, li, ouvi falar e das que imagino ou fantasio.
As que conheci em viagens e aquelas com quem vou viajar.
As que apreciam o que têm e descomplicam quando não podem ter.
Gosto de pessoas que criticam para fazer crescer e não para comprometer.
As pessoas fáceis vão a festas e fazem a festa! O que interessa é estar com quem quer estar.
Não é difícil... é fácil!
E por falar em fácil... é fácil gostar de Ti:)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Ama-me sempre...

Ama-me livremente, sem convite, a todo os instantes, sem descanso.
Ama-me percorrendo-me sem timidez ou modéstia, envolvendo-me num suave balanço.
Ama-me devorando a minha boca, saciando arrebatadoramente o teu desejo até à eternidade, com ardor.
Ama-me imprudentemente, sem razão, motivo ou pudor.
Ama-me sempre, em segredo, com hora marcada ou improvisadamente, sem bilhete de regresso.
Ama-me sem medo das horas, com poder absoluto, sem garantia de sucesso.
Ama-me em silêncio, absorvendo docemente o meu odor.
Ama-me sempre meu amor...

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

É tão bom este momento.

É tão bom chegar a casa e sentir-me em casa...
É tão bom ter saído de casa para jantar com as amigas de sempre, bebido uns mojitos e falado do que nos vai no coração, sem receios...
É tão bom chegar a casa, ter dois gatinhos que se enrolam nas nossas pernas, dando movimento à escuridão da sala e não nos perguntam que horas são...
É tão bom chegar à cama, sentir o calor de uma outra pele, ouvir uma outra respiração, beijar a mão que pousa em cima do nosso peito despido e o ocupa como se de casa se tratasse...
É tão boa a liberdade de amar e ser amada. É tão bom Saber que estou feliz.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Recado (grande) ao meu coração:)



Apaixonei-me...
apaixonei-me sem pensar, sem saber que me queria apaixonar...
fui sem ver as indicações, mas o rio estava a meu lado, por isso segui segura.
o chão molhado pela chuva calava os meus passos, pelo que o silêncio fazia-me ouvir o que não se ouve...
um mais um são três, ouvia eu e não percebia... mas ia...
e como o fogo, o sentimento foi subindo, enquanto o meu guarda-chuva me amparava o céu.
as palavras esvoaçavam. havia umas que se colavam na boca e ressoavam cá dentro.
que energia tão boa me dás. não era preciso dizer, mas eu digo.
as horas passaram e os dias também e agora não quero surpresas, quero apenas viver contigo para sempre. e quando não for no corpo quero viver-te na alma...
ainda bem que estás bem cá dentro... agarra-me e liberta-me... oferece-me essas asas de borboleta invisíveis que batem sem parar sessenta vezes por minuto.
já não vou fugir, quero ir cada vez mais...
e tu deixa-te estar! quero ouvir-te todos os dias daí de dentro. e mimar-te que tu bem precisas que eu sei... todos precisam.
E agora queres saber uma coisa? Encontrei-te... por isso sorri para eu te sentir.
Estou apaixonada por ti... que sorte a vida oferecer um coração a toda a gente!

vou abrir-te para espreitares os outros corações e deixares que o vento leve as tuas vibrações, como leva as orações para Aquele que as tem de ouvir.
agora vou celebrar... como tu gostas.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Só damos falta do que temos, quando o que temos nos falta. Nunca pensei dizê-lo por causa de uma otite.


Há dois dias rebentou-me o ouvido. No final do dia de trabalho, comecei a sentir imensas dores no ouvido direito. De repente algo ganhou vida e queria à força saltar cá para fora. Empurrava, espezinhava, fazia barulho, mas não conseguia sair e isso estava a deixar-me maluca.
Saí à corrida, mas por mais pressa que levasse não conseguia fugir à dor. Esta corria tanto quanto eu. Percebi que a levava comigo. Depressa constatei que teria de recorrer a um profissional para me ver livre dela.
Fui às urgências de Santa Maria. Passei na triagem e rapidamente percorri aquilo que me pareceu um quilometro e meio de corredores dentro do hospital. Apesar das dores, consegui decorar todas as indicações dos seguranças para chegar junto da médica. - Vire na primeira à esquerda, siga esse corredor até ao fundo e vire à direita. Passe a porta de vidro e nessa sala volte a perguntar à minha colega. E ela disse: - depois deste corredor vire à esquerda, siga até ao fim e depois vira à direita, volta a seguir até o fundo e depois vira à esquerda. Apanhe o elevador número 13, suba até ao quinto andar e aguarde.
Lá fui, a respirar aquele ar quente que me obrigou a ir despindo ao longo do caminho, imaginando quantos quilômetros por dia faz um enfermeiro naqueles corredores. Tentava ao mesmo tempo não me esquecer das indicações do último segurança. 
Quando cheguei esperei 5m. É verdade, foram apenas 5m. Nem sequer deu para terminar o capítulo do livro que estou a ler.
A médica era uma simpatia. Não me deixou muito tempo em suspense e diagnosticou-me de imediato uma otite. Disse-me para não me assustar se rebentasse e saísse sangue. Perguntou-me se era mergulhadora. Disse-lhe que tinha tirado e curso e mergulhado muito nos Açores. Ainda nos rimos, apesar das dores que tinha no ouvido, quando lhe disse que tinha voltado de lá por amor. Hoje já consigo rir disso.
Tentei enganá-la dizendo que era alérgica a tudo o que é medicamentos, mas ela era inteligente e apanhou-me na mentira. Receitou-me um antibiótico, um analgésico, gotas auriculares e um spray para o nariz. Durante a noite pari uma otite. 
Hoje, passadas 48h estou apenas a tomar o antibiótico. Sinto que é o único cujo prazo devo respeitar. Não sou nada de medicamentos. Mas é como diz uma grande amiga: - não te martirizes, estás a tratar do corpo, não da alma.
Nestes dois dias apercebo-me do que é viver sem ouvir bem. E repito sem ouvir bem. Ainda oiço qualquer coisa.
Andar sem ouvir é como se estivésse a viver no mesmo mundo, mas num quarto ao lado. Um quarto de vidro em que vejo tudo igual, mas em que sinto uma espécie de isolamento. E por vezes isso fez-me pairar.
Caminho e sinto a dureza do chão, o relevo das pedras e da calçada, mas não ouço os meus passos. Atravesso a estrada, mas não oiço os carros, só sinto a vibração da sua velocidade. O vento frio passa-me no pescoço e entende-se nos cabelos, mas não o oiço.
Hoje, dentro deste quarto de vidro, vi as nuvens pareceram-me icebergues gigantes. Era como se andasse debaixo de um oceano gélido e translúcido. Os icebergues a passar-me por cima, lentamente, como se estivessem a ser rebocados pela corrente.
E tudo porque não ouvia o vento que empurrava as nuvens. Não ouvia o murmúrio do vento nas folhas das árvores. E por isso não me virei quando passei por elas. 
Como disse em cima, sentia-me a pairar. Quase como se a gravidade também tivesse deixado de existir. 
Por outro lado, dentro do ouvido foi e ainda está a ser a balbúrdia total. Passei o dia a ouvir um latejar indolor, como se tivesse um pequeno martelo a marcar os segundos. (tenho de dizer indolor para não deixar a minha mãe em pânico). Ouvia a respiração a roçar-se, como se os pulmões estivessem ligados por uns tubos, directamente aos ouvidos. Ouvia também um eco estranho, um zumbido permanente de mil asas de mosquitos, completamente incansáveis, liquido a mover-se de cima para baixo e os batimentos do meu coração. Das 120.000 batidas que dá em média por dia, hoje devo ter ouvido umas 77.000. As outras 43.000 bateram quando estava distraída e houve mesmo alturas em que as ouvi deixar de bater. Agora estou a ouvi-las.
É incrível como uma pequena e leve surdez me fez sentir tudo isto. Mudou o meu quotidiano sensitivo e fez-me conhecer um outro corpo cheio de sons interiores. Como se os ouvidos se tivessem virado para dentro. A otite despertou-me os outros sentidos. 

sábado, 25 de janeiro de 2014

...aos Ernestos das vidas das pessoas:)


fizeste-me rir.
isso é outra das qualidades que gosto em ti, fazes-me rir.
e tenho pensado no que gosto mais em ti...
também tenho pensado que não queria pensar...
criamos expectativas em relação ao que não conhecemos, crescem as expectativas quando conhecemos...
idealizamos olhares, sorrisos, abraços, desenhamos traços imaginários da boca, do cabelo, pintamos cenários nítidos a preto e branco que correm em câmara lenta... e é tão difícil não fazê-lo...
mesmo quando já nos fartámos de ver outros cenários desmaiarem mesmo à nossa frente, para serem engolidos pela terra e desaparecerem, como se nunca tivessem realmente existido senão na nossa vontade, mesmo assim.. mesmo assim idealizamos...
gostava de não ter vontade... gostava de ter a sabedoria para sentir apenas.
gostava de me desafiar e agarrar a tua cara com as duas mãos, olhando sem imaginar, sem ver, sem perceber...
quero estar aqui e agora, seja aonde for, sem paixão, sem passado ou futuro.
gostava de Ser apenas este momento...
mas ai a memória não joga a meu favor, já decorei as tuas mãos e a tua boca... e já estou a imaginar o calor da tua pele...acabei de pintar o teu cabelo... e entretanto despenteei-o... atirei-te umas sardas iguais às minhas... vou também baptizar-te...
Agora vem, trás o teu coração aberto... o meu está aqui... consegues vê-lo? Vá, acerta-lhe...
a vida é bela:)